quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

CONCEIÇÃO




CONCEIÇÃO

Rogel Samuel




Chamava-se Conceição.

Talvez fosse 'nome de guerra' da bela jovem, profissional do amor, no cabaré Xangri-lá. Manaus.

Ele se apaixonou.

Ao Cabaré chegava de carro. Trazia presentes caros, jóias.

O Xangri-lá era fora da rota da estrada.

Sítio deserto, secreto, no baixio da selva, longe dos olhos das famílias, mas conhecidíssimo dos jovens da época.

Ali os boleros se arrastavam, decadentes. Dalva de Oliveira, Ângela Maria, amores contrariados, tristeza, dor. Um dizia: 'Assim... se passaram dez anos...'

Dançava-se.

Mas o ambiente tinha certa classe.

Limpo, as moças quietas nos cantos, os fregueses sentados às mesas, sós ou em grupos, calmos, pediam uma XPTO, sorriam para as mulheres, todas jovens, que correspondiam, discretas.

Um ou outro se levantava, tirava dama para dançar, depois a conduzia para mesa.

Encontros íntimos, se houvesse, aconteciam fora da vista, nos fundos do prédio, para onde se ia através de cortinados sucessivos de renda, atravessando-se por um corredor misterioso, iluminado de mortiça luz vermelha.

Galeria de portas.

Tudo perfumado de cumaru, flores de papel crepom.

Para quem chegava, lugar de dança. Havia aqueles que só iam para dançar, prosear com amigos, beber uma cerveja à noite.

As moças, assim chamadas, vinham do interior.

Jovens, havia com menos de dezoito anos, na época comum e muito apreciado.

Elas pareciam felizes.

Algumas faziam as unhas, outras se distraíam com velhas revistas de moda, qualquer coisa.

Mas caladas.

Um ritual, o ambiente. Lá estavam algumas das mais respeitáveis famílias da terra, a maioria homens casados, e em Manaus a primeira pergunta era: 'De que família você é?'

Ele era jovem e solteiro.

Pois conheceu Conceição, e por ela se apaixonou, de verdade.

Paixão de jovem sempre séria, quis casar-se, ninguém deixou, ela mesma não quis, que continuassem amigos, assim.

E ela naquele bordel, mas exclusiva dele.

Todo o dinheiro que lhe dava era enviado para a família. No fim de um ano o recurso dava comprar uma casa.

Às vezes ela viajava...

Dizia que visitava a mãe velha. Dizia. Ausentava-se por uns dias.

Mas voltava sempre bela, fresca, feliz.

...........................

Um dia se foi de vez.

Desapareceu no Interior, ninguém mais a viu.

Deixou um bilhete, escrito por outrem, pois era analfabeta.

Que tinha um noivo, há muito tempo comprometida, viera para trabalhar, ganhar dinheiro antes de se casar. Agradecia por tudo, deixava um 'Deus te recompense'.

Ele enlouqueceu.

Gritou. Chorou. Adoeceu. Foi procurá-la. Mas o Amazonas é enorme.

Tempos depois, no cabaré, soube que ela estava casada e grávida.

Passaram-se cinqüenta anos.

Semana passada, vinha ele frajola e sacudido pelas lojas Amazonas Shopping quando abordado por senhora de idade.

— Lembra-se de mim?

— Não, disse ele. Não se lembrava.

Ela tirou um cartão da bolsa e deu para ele:

— Eu sou a Conceição... — e desapareceu na massa.

No dia seguinte, viu que tinha perdido o número.

Outra vez.

Encontros Prontos



Encontros Prontos

Rogel Samuel


Quando partiu, ele a viu na estrada.
Ela sorriu para ele. Nunca a tinha visto. Ele se ergueu da poltrona e, abrindo a janela, escancarou um adeus para ela, colocando meio corpo fora do ônibus.
Nunca mais a veria, mas estava apaixonado. Subitamente apaixonado. Partindo de Búzios. Voltava para o Rio.
Dias depois a encontrou em Copacabana, onde morava. Era ela.
Amaram-se logo naquele dia.
Casaram-se.
Têm três filhos.

* * *

Na fila, ele procurou falar com ela. Iniciou conversa.
Ela sorriu, mas nada falou.
Ele chegou a encostar-se nela.
No elevador cheio, ele pôde senti-la, aspirar seu perfume e calor, excitado. Tonto.
Chegando no seu andar, foi rápido.
Às quatro eu espero você na portaria. Está bem?, falou, como se fosse ela fosse amiga de infância. Ele ia ao dentista, calculou a hora, mas sem esperança.
Está bem, ela disse, e ninguém reparou que não fossem amigos há mais tempo.
Às quatro ele estava lá. E ela apareceu.
Amaram-se naquele mesmo dia, num hotel.
Há vinte anos se encontram.
Se amam.

* * *

Era tarde. Tarde para ir à praia. Principalmente no inverno. Na praia deserta estava ela. No meio da praia deserta estava ela. Quase frio.
Ele veio, puxou conversa. Nada.
Ele desistiu dela, tirou a roupa, pulou na água. Saiu tiritando de frio.
Mas o vento, a juventude o secaram. Resolveu partir. Na partida, passou por aquela menina, despedindo-se. Disse uma besteira:
Quando puder apareça na minha casa...
E se foi.
Já na calçada, bem longe, voltou-se para olhar o mar: a menina acenava para ele.
Seria para ele? Teve de certificar-se de que não havia mais ninguém ali.
Voltou até a praia.
Ela disse: "Como você quer que eu vá à sua casa se não me deu o endereço"?
Ele passou-lhe o telefone. A noite caía: "Quer ir lá agora?", ele perguntou.
Não, disse ela. Eu telefono.
Ele explicou que ia viajar no dia seguinte. Que ficaria um mês fora.
E assim foi.
Quando voltou, a secretária eletrônica era tomada de vários recados silenciosos.
Alguém ligara muitas vezes, mas não disse nada.
Pouco tempo depois, naquele mesmo dia, ela telefonou.
Eles se encontraram. Ficaram juntos por quatro anos.
Até que... ela conheceu um alemão, por quem se apaixonou e se foi com ele para Frankfurt.
Conheceu o alemão na mesma praia. Quase no mesmo lugar.

* * *

São três casos. Encontros prontos.
E verdadeiros.