sábado, 24 de dezembro de 2011

NA NOITE DE NATAL

NA NOITE DE NATAL

Rogel Samuel

Natal de sempre. Não sentia falta. Não lastimava. Necessitava estar livre, espaço da solidão. Ele era, estava exilado. Mesmo dentro do próprio país. Natal, festa familiar. Não possuía família. Nem pátria. Por isso, naquela noite de Natal, dirigindo naquela estrada deserta, naquele país distante e frio, de que nem sabia o nome, nunca soube onde estava, nunca soube como foi parar ali. Perdido. Isolado. No meio da noite de natal. Ruas, estradas desertas. Casas altas. Casas fechadas. Muros altos. Estranha antiga fortaleza. Paisagem espanhola. Ele dirigia, mãos frias coladas ao volante. Tudo ruindo. Mesmo para ele, acostumado à fuga, tantas cidades, países tantos. O nunca acabar. No escuro. Frio.

Então, a última cidade passou, mas a estrada continuou.

Florestas e morros escuros. Um vento gélido percorria a alta noite cantando como um fantasma. Ele continuava. Os faróis do carro lambendo as margens com sua língua de luz fraca.

Foi quando percebeu um clarão vindo de algum lugar, de casa próxima, à beira da estrada.

Para lá se dirigiu.

Próximo, havia uma casa, ou melhor, um casebre. Como ele estava muito cansado, estacionou perto, e foi andando até aquele lugar, onde esperava poder descansar.

Chegou. Bateu na porta. Ninguém. Entrou, a porta aberta. Havia o calor simples e humano vindo da lareira acesa. O lugar iluminado e bom. Mas ninguém lá. Os móveis simples, velhos. Porém limpos. Poucas peças, cadeiras, a mesa, o aparador, sobre o qual havia um presépio. Mas sem o menino Jesus. 

“Já volto”, escrito estava num pedaço de papel, ao lado do presépio. Que importava aquela frase, aquele aviso? Ele estava cansado e não compreendia. Aninhou-se perto da lareira e dormiu brutalmente, num desmaio.

Dormiu por muitas horas.

Quando acordou, o sol brilhava, a lareira apagada, o frio passara, o tempo bom. No papel em cima do aparador, escrito: “Bom dia”; e no presépio, o menino Jesus.

Ele partiu. No caminho viu que as árvores tinham florido e estavam cheias de cânticos de pássaros.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

A BONECA ROUBADA

A BONECA ROUBADA

Rogel Samuel

Eram duas irmãs húngaras Ilona e Helena.

Ilona se extasiou quando pequena por uma boneca de uma vitrine que havia perto da praça Ferencike Ter.

Foi a que, exatamente aquela, mas por acaso, sua irmã Helena ganhou de presente de aniversário.

Ora, ainda que tivesse ganho muitas outras bonecas caras (já que a família era muito rica, antes da invasão comunista), Ilona nunca perdoou sua irmã Helena por ter conquistado a posse daquela que era a sua amada.

Veio a guerra. A destruição. A morte. Tropas avançavam, vindas do Oriente e depois de todos os lados. A família teve de fugir, apavorada. E nada puderam levar. No desespero dos últimos minutos antes da partida, as bombas já rebentando na rua, a família se separou, dividiu e se perdeu.

Enfim, após a acidentada viagem, Ilona conseguiu vir para o Brasil, com o pai.

E Helena e a mãe se socorreram na Suíça.

Acontece que, na hora da aflição extrema, no desespero da fuga, ninguém viu que a menina Ilona conseguiu meter escondida em meio às suas saias a boneca da irmã que ela amava tanto.

A boneca estava abandonada pela irmã Helena, junto com todos os objetos pessoais da família, que nada pôde levar além da roupa do corpo.

Mesmo as jóias que sua mãe procurou conservar no bolso acabaram sendo arrestadas pelos policiais.

Por fim desampararam a velha avó às margens da estrada, pois, fraca e doente, não podia acompanhar a caminhada.

Após esta tragédia, os anos se passaram, a vida deu meia volta, prosseguiu nos seus eixos e à sua maneira.

Um dia, Helena, que já estava casada com Peter em Paris, descobriu que a irmã Ilona, viúva rica, estava morando no Brasil.

Helena soube também que Ilona guardava ainda a sua boneca perdida.

Depois disso, Helena só pensava em recobrar a sua boneca húngara e acabou vindo com o marido até São Paulo, onde Ilona residia.

E após muito esforço e muita discussão acabou recuperando a boneca.

Mas logo passado pouco tempo, Ilona apareceu em Paris, foi visitar a irmã Helena e lá conseguiu seduzir o marido dela, Peter.

Ilona fugiu para o Brasil com Peter, abandonando a boneca roubada.