quarta-feira, 17 de novembro de 2010
FRANCISCO E FLORÊNCIO
FRANCISCO E FLORÊNCIO
Rogel Samuel
Eram amigos de infância, seminário e Marinha.
Meninos, andavam sempre juntos. No seminário também, e os padres desconfiavam daquela amizade. Na Marinha não se separaram nunca.
Vieram de Imperatriz, no Maranhão.
Anos depois, Florêncio casou-se com Rosa, foi para Salvador.
Francisco ficou com Creusa, que já tinha dois filhos.
Desta forma Francisco e Florêncio se separaram pela primeira vez.
O primeiro filho de Florêncio se chamou Francisco.
O primeiro filho de Francisco, Florêncio se chamou.
E Francisco começou a beber. Cada vez mais.
Desinteressou-se de Creusa, dormia fora, brigava.
Era conhecido como 'encrenca fácil'.
Um dia, Francisco e Creusa se separaram. Sem briga.
Ele mudou-se para a casa de Florêncio, seu amigo de sempre.
Salvador.
Por dois dias se livraram das crianças para festejar. E beberam e cantaram.
No terceiro dia, Florêncio foi ao trabalho, mas teve de voltar do meio do caminho.
Ao subir as escadas do sobrado já ouviu gemidos.
Entrando no quarto, encontrou os dois nus, em orgasmo.
Cego, Florêncio empunhou uma baioneta que estava num banco e começou a atacar os infiéis.
Perseguiu Francisco ensangüentado e nu pela casa e escadarias até à rua.
Francisco gritava. Agonizou no meio da rua.
Então Florêncio começou a chorar.
E é essa a estória que assim mesmo se passou conforme o digo eu, o Narrador.
Esse foi o fim.
Fim.
Este caso verdadeiro.
Quando era professor de escola conveniada com a Marinha conheci Francisco, que foi meu amigo.
Diz Camões:
- "Não cometera o moço miserando
O carro alto do pai, nem o ar vazio
O grande Arquiteto co'o filho, dando
Um, nome ao mar, e o outro, fama ao rio.
Nenhum cometimento alto e nefando,
Por fogo, ferro, água, calma e frio,
Deixa intentado a humana geração.
Mísera sorte, estranha condição!" -
Não sei por que vejo neste caso a expressão de sexualidade deslocada. Florêncio traído pelo amigo, não pela esposa. Sua fúria se desloca. Francisco transfere seu objeto.
Como do mundo, a mente humana e os mistérios.
Vejam agora os sábios na escritura,
Que segredos são estes de Natura.
quarta-feira, 29 de setembro de 2010
Noite de Natal
Noite de Natal
Rogel Samuel
O velho naquela noite finalmente saiu de casa. Se é que aquilo onde morava era uma casa. Vivia só. Nem sabia se ainda tinha família. Abriu a porta a medo, olhou para os lados. Prosseguiu pela calçada deserta e chuvosa. A noite era escura e ele via, ao longe, a grande árvore de natal da prefeitura acesa. Virou a esquina e se perdeu. Nas dobras de sua consciência esqueceu-se de todo.
Aquela rua descrevia um arco que se estendia até a amurada do mar. Quando criança, o velho pulava dali para a pequena praia e se jogava no mar. Como por um cortinado que se abria, ele reviu seus irmãos e primos, sua mãe Aurora, seu tio Rigoberto. A noite era escura e ele via, ao longe, a grande árvore de natal da prefeitura acesa.
Aquela rua deserta e o velho descia no meio da noite. Não havia ninguém ali e ao longe se viam os raros carros que passavam na estrada de asfalto rumo à costa Leste da cidade. Não havia ninguém ali além do céu escuro e do ruído das pedras úmidas cortadas pelas curtas ondas do mar calmo. O velho desceu a escadaria velha arrastando os pés. Uma vaga sensação de alegria inundava seus olhos de lágrimas, pois ele sentia ali a curva do caranguejo onde sua família se recreava aos domingos. A noite era escura e ele via, ao longe, a grande árvore de natal da prefeitura acesa.
Rogel Samuel
O velho naquela noite finalmente saiu de casa. Se é que aquilo onde morava era uma casa. Vivia só. Nem sabia se ainda tinha família. Abriu a porta a medo, olhou para os lados. Prosseguiu pela calçada deserta e chuvosa. A noite era escura e ele via, ao longe, a grande árvore de natal da prefeitura acesa. Virou a esquina e se perdeu. Nas dobras de sua consciência esqueceu-se de todo.
Aquela rua descrevia um arco que se estendia até a amurada do mar. Quando criança, o velho pulava dali para a pequena praia e se jogava no mar. Como por um cortinado que se abria, ele reviu seus irmãos e primos, sua mãe Aurora, seu tio Rigoberto. A noite era escura e ele via, ao longe, a grande árvore de natal da prefeitura acesa.
Aquela rua deserta e o velho descia no meio da noite. Não havia ninguém ali e ao longe se viam os raros carros que passavam na estrada de asfalto rumo à costa Leste da cidade. Não havia ninguém ali além do céu escuro e do ruído das pedras úmidas cortadas pelas curtas ondas do mar calmo. O velho desceu a escadaria velha arrastando os pés. Uma vaga sensação de alegria inundava seus olhos de lágrimas, pois ele sentia ali a curva do caranguejo onde sua família se recreava aos domingos. A noite era escura e ele via, ao longe, a grande árvore de natal da prefeitura acesa.
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