A BOLSA AZUL
Rogel Samuel
Quando entrou no táxi,
pisou naquilo.
Vinha do teatro, com a
mulher.
Casal de aposentados.
Teria 76. Ela mais velha, uns 80.
Era tarde.
O táxi rodou nas
silenciosas ruas a solidão da noite perigosa.
A mulher, cansada e
sonolenta, nada dizia.
Chegando em casa,
pagou e saiu do táxi.
A bolsa estava na mão.
A mulher só percebeu
aquilo no elevador:
- O que é isso, José?
perguntou, espantada.
- Calma, disse ele,
escondendo a bolsa atrás de si. Estava no táxi. Está trancada. Vou devolver.
Ao chegar em casa, a
mulher foi para o quarto e ele rapidamente entrou no escritório com a bolsa na
mão.
- Vou ao banheiro,
disse ele. Sempre usava o banheiro do escritório.
No banheiro do
escritório, sozinho, examinou.
A bolsa estava na pia.
Era uma bolsa térmica,
azul, de plástico, meio gasta.
Aquilo abriu sem
dificuldade.
A bolsa estava quase
toda cheia de dinheiro.
Havia notas de cem,
cinqüenta, a maioria de vinte e de dez.
Cédulas usadas.
Maços de dinheiro,
nenhuma identificação.
A bolsa fedia a peixe.
Ele pensou
rapidamente: teria de esconder aquilo da mulher, levou para o escritório e
esvaziou a bolsa no arquivo de ferro, que fechou à chave, junto com os
documentos.
Agora a bolsa estava
vazia.
- A bolsa estava vazia,
disse ele, para a mulher. Mas acho que era de traficante.
- Por quê? perguntou
ela, já aterrorizada.
- Tem cheiro de
maconha.
A mulher se apavorou
(era o que ele queria).
- Vou desfazer-me dela
amanhã, concluiu. Vamos dormir.
Mas não conseguiu
dormir. Cabeça a mil.
A mulher roncava ao
lado.
Ele pensava em gastar
aquilo, via-se com garotas de programa em hotéis de luxo. Lembrou-se de
deputados, mensalão. Malas de dinheiro. Aquilo devia ser do Mensalão.
«Mensalão...
mensalão...», pensava ele. Se era roubado NÃO precisava devolver.
«Dinheiro roubado!»,
criticava ele. «Roubado!».
Devia haver uma
fortuna. Não ia contar as cédulas agora. Quando se levantava a mulher logo
acordava. «Aonde vai?», perguntava ela. «Ao banheiro», ele respondia.
* * *
Pouco depois o
telefone toca.
Do outro lado o
cunhado urrava que estava falido, perdera a confecção, vendera o apartamento
para pagar dívidas, ia ter de entregar o apartamento que um feirante comprou e
exigiu pagar em dinheiro vivo, mas ao voltar pra casa com o dinheiro foi
seqüestrado roubado agredido abandonado na linha do trem. «Perdi tudo!»,
finalizou. «TUDO!»
- A polícia pegou
alguns bandidos, houve tiroteio, mas meu dinheiro sumiu, disse ele.
- De que cor era
bolsa? perguntou ele ao cunhado.
- A bolsa era azul.