quinta-feira, 27 de novembro de 2008
IVITI
IVITI
Rogel Samuel
Contava meu pai a estranha estória de um certo Dr. João Luiz, conhecido seu, advogado, casado, pai de filhos, de tradicional e rica família de seringalistas que, depois da morte do pai voltou da Europa para o Amazonas.
Pois falava vários idiomas aquele homem, falava aquelas línguas indígenas, a língua dos Cintas-Largas, a dos Parecis, dos Nambiquaras, dos Caxinauás. Consta mesmo que ficou dois anos entre os Suruins, que não admitiam contato civilizado.
Pois era proprietário do navio “Barão do Abunã”, dentro do Rio Abunã, um rio cujas embarcações tinham de ser construídas ali mesmo, pois não passavam da Cachoeira da Fortaleza do Abunã, zona limítrofe entre Brasil e Bolívia.
As terras do Rio Negro, naquela época (não o Rio Negro de Manaus, mas um tributário do Abunã), eram dominadas pelos perigosos índios Pacaahuaras, que não se fixavam em nenhum lugar.
Certa vez, então, aquele mesmo João Luiz encontrou, na Praia do Cuco, belíssima indiazinha pacaahuara, por quem se apaixonou.
Quiseram impedi-lo, mas foi ele até à praia, onde doze guerreiros o observavam, arcos retesados.
João Luiz, porém, não os temia. Deixou oferecimentos na pedra, dizendo que voltaria no dia seguinte, no mesmo lugar e hora, com coisas mais.
Estranho homem, aquele.
No dia seguinte, encontrou ele velhas pacaahuaras e alguns guerreiros.
Não, não pareciam agressivos.
João Luiz percebeu a menina naquela verde sombra, entre as árvores, e a chamou para si.
Ela sorriu.
Cego de paixão – e por quanto o amor nos faz! - saltou da canoa (uma temeridade), e foi na direção da menina amada. Os machos emudeceram, tensas estátuas.
Mas não, ele não se atemorizou.
Então tirou ele do bolso um colar de pedras coloridas, vidrilhos cintilantes, brancos, verdes, vermelhos e amarelos, que ao sol amazônico eram brilhos e rebrilhos invadindo o ar.
Ofereceu à indiazinha.
Mas uma das índias velhas tira o colar das mãos da moça.
João Luiz, sem desistir, ofertou à velha um excelente canivete vermelho. A indiazinha sorriu, concordando. João diz seu nome. Aponta a moça. A velha diz que ela se chama Iviti, e pergunta se ele a quer.
Pronto. A guerra acabou, todos caíram na gargalhada, velhos amigos que fossem.
Era o Contato.
Acresce que a velha, entre risinhos finos e desdentados, diz que ele tem de casar-se na aldeia, à moda deles, já que a menina era prometida a outro, de quem ele tem de comprar.
Diz a velha que João teria de ir, sozinho, à maloca, distante meio dia de viagem, pedi-la ao tuxaua. Que voltasse dias depois, e esperasse ali, na Praia do Cuco, pela resposta.
O amante ardeu de paixão. Três dias depois voltou, armou um tapiri, colocou oferecimentos em grandes caixas, esperou ansioso. Sonhava ter Iviti nos braços. Ela era uma princesa.
Esperou na praia, com seus homens ao largo, na lancha.
No quarto dia apareceram os índios e João Luiz, sem mais demora, sumiu com eles pelo mato. Ora, já tinha feito isso outras vezes. A menina era o esplendor, o luminoso da floresta amazônica, a força verde, a graça, a leveza, o sorriso, o luzir da pele, os cabelos lisos e brilhantes, o ventre gracioso que até a curva que do sexo seguia com elegante deslizar, as curvas perfeitas das pernas e nádegas, e, principalmente, aquele sorriso que nascia dos olhos negros e convidativos, como só os seres amazônicos sabem ter. Ela convidava ao mergulhar naquelas águas negras e misteriosas: Ele estava endoidecido de amor, de desejo, de paixão.
Meses depois, um grupo de seringueiros o encontrou, feliz, nas cabeceiras do Rio Pacaahuara, agora chefiando um grupo de guerreiros.
Mas João Luiz soube que seus bens tinham sido usurpados por seu advogado, e que sua família passava necessidades em Manaus. Logo teve permissão do tuxáua para sair, mas não conseguiu levar consigo Iviti.
Saiu da aldeia, viajou, recuperou seus bens materiais, mas não os espirituais.
E nunca mais encontrou Iviti, nem os Pacaahuaras.
Durante anos os procurou, nas fundas matas impenetráveis do Abunã.
Finalmente entristeceu, desistiu, degenerou.
Na última vez que meu pai o encontrou estava no trem que segue de Porto Velho a Guajaramirim. Não o reconheceu. Estava bêbado e demente.
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