quinta-feira, 10 de março de 2011

A PRAÇA E A GUERRA

ROGEL SAMUEL

A praça é quase circular. As mais altas são as palmeiras, cujos leques se perdem e não se vêem, no espaço entre a folhagem robusta e diversa das outras árvores. O sorveteiro velho apita como Chacrinha. Um garoto, vestido de negro, corre, abre os braços, em pleno imaginário vôo. Um jovem casal lambe sorvetes, compassados. Mosquitos zumbem. Perturbam. Picam, no fim da tarde. Ele sente calor. Cansaço. Vozes longínquas. Um estranho silêncio invade a atmosfera, atravessando todos os ruídos. Algo desce do céu, do sol. Tudo fica em paz, na massa dos outros sons, um túnel de silêncio. Sob a luz do poste de iluminação, ele abre o jornal. "Caminhamos para um conflito mundial", ele pensa. "Nada fazemos. Fingimos, fugimos do problema. Nações ricas bombardeiam, sem se saciar, as nações do povos pobres. Os impérios castigam, exterminam. A reação do pobres, que se recusam a morrer, é o terrorismo. O mal avança. Não conseguimos detê-lo. Os ricos atacam não apenas com as bombas, mas com os bancos, como na Argentina arrasada. Místicos proféticos anunciam a guerra mundial para 2005. Para mim, ela já começou, ele diz. Estamos brincando com o mais sério, como caranguejos que disputam entre si o espaço da panela que está no fogo, mas que ainda não começou a ferver. O número dos que querem a guerra é maior do que o número dos que a temem. Vários povos já foram exterminados, como os povos indígenas brasileiros. A fase da "exploração" do homem pelo homem já é coisa do passado. A nova lógica conclui que há populações inúteis, insolventes, que "é necessário começar a matar". Daí os grandes massacres, as operações genocidas, como no caso do Iraque, da Bósnia, da Palestina, do Tibet. No Tibet toda uma população, toda uma cultura milenar foi destruída, os templos viraram pó, as preciosas bibliotecas queimaram, as mulheres esterilizadas, os monges torturados, num dos maiores genocídios da história recente que não se divulga, ninguém sabe, ninguém vê. A guerra está dentro de nós, no ódio que circula nas nossas veias ferozes. Os abusos sexuais tem maior capacidade de nos escandalizar do que os crimes da guerra. O cinema na TV americana exibe as piores perversidades possíveis, mas uma cena de minuto de sexo explicito provoca inúmeras ações judiciais, por parte das escandalizadas mães de família, horrorizadas com o "atentado violento ao pudor" que a guerra não provoca. Os ativistas franceses vão às ruas por quê? Contra Le Pen? Em janeiro de 1933, Hitler foi eleito pelo voto direto com maioria esmagadora dos votos. Amamos a guerra, a destruição, a morte. Há guerra até entre torcida de futebol, com feridos e mortos. Esse o "nosso" mundo. Lugares sagrados, como o Afeganistão e Belém estão em plena guerra. No Afeganistão, ou no Paquistão, havia o antigo reino de Oddiyana. Ali nasceu Padmasambava, o Precioso Guru, - um dos maiores nomes sagrados do Oriente, que estabeleceu o budismo no Tibet no Século Oitavo. Em Belém nasceu Jesus".
Ele fechou o jornal, trêmulo. Voltou a olhar a praça, vazia. A noite caía. Somente um casal adolescente se beijava, esquecidos. Ficou a admirar a candura daquele beijo. E voltou a ser feliz.

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